AUTONOMIA: EXPLORAÇÃO DISFARÇADA

Acredito que fruto de minhas aulas de Direito do Trabalho II na faculdade, o Direito Trabalhista tem despertado em mim grande interesse. Algo que gostaria muito de falar é da obrigatoriedade da participação final nos lucros (para os empregados), mas deixarei esse tema para quando tiver mais tempo e estiver com mais indignação. Hoje, vou contar uma história que me aconteceu e que sintetiza esse nosso sistema de exploração do trabalho. Falarei daqueles que trabalham por resultados, os autônomos.

Autônomo é o trabalhador que faz o seu horário, em teoria não tem patrão, ou a quem dever obediência na relação de trabalho, não tem salário, vive dos seus resultados, se for bom vive, se não for, fome.

Em um belo dia, no ócio da tarde, recebi uma proposta para labor. Eu estava (ainda estou) desempregado. Era uma amiga, uma pessoa que considero esclarecida (tenho usado muito essa palavra, preciso descobrir outra). Para não citar nomes a chamarei de KT. A proposta consistia no seguinte: Eu falaria com clientes, divulgaria um serviço e ficaria com um percentual de 2,5% de cada negócio fechado. Este pacote de serviço incluía outras remunerações tais como as despesas todas que eu tiver na execução do serviço (telefone, passagens e o que mais for necessário. Em tempo: só o que havia sido acordado foi o telefone, mas o resto eu subentendi, afinal, vou falar de exploração, não de assalto.), uma grana por cada entrevista que eu marcasse entre a empresa e o cliente, outra empresa. Detalhe: para cada cliente, somente uma retribuição, e diga-se por passagem vergonhosa, R$ 50,00, alguém sustenta a casa com isso?. Essa retribuição não seria somada aos 2,5% do valor do contrato, caso ele fosse fechado, seria apenas o mínimo que eu ganharia. Eles seriam considerados como adiantamento dos 2,5%, ou seja, se não fechassem negócio eu recebia R$ 50,00, se fechassem eu receberia 2,5% (sendo isso no mínimo R$ 50,00), mas caso eu tentasse muito e não conseguisse nada, eu não receberia nada. Entenderam? Não é muito complicado, espero não ter complicado para vocês.

Outro detalhe do serviço: era uma consultoria empresarial. Um escritório de advocacia entrava com o CNPJ e outras pessoas entravam com o serviço; eu com a captação de clientes, e a minha amiga e uma outra pessoa com o SERVIÇO em si. Do contrato eu ficaria com 2,5%, a pessoa que fizesse o serviço ficaria com 47,5% e o escritório que não faria nada, ficava com 50,00%. ÓBVIO QUE NÃO ACEITEI. Eu sou um cara que apesar de não ser rico, de fome não morro, pois tenho uma boa família por trás de mim, o que me dá alguns privilégios nessa vida, como direito de escolha em algumas situações.

A ganância e falta de critérios ou sensibilidade das donas do escritório eu não vou discutir porque acredito não ser necessário. Vou olhar a coisa do lado dos autônomos, porque inclusive a KT achou que o acordo feito comigo era JUSTÍSSIMO.

O autônomo quando está trabalhando, já diz a palavra, ESTÁ TRABALHANDO. Eu acredito que todo trabalho PRESTADO a alguém deva ser retribuído com pagamento. Mas está o autônomo prestando serviço para alguém ou para ele mesmo?

Digamos que o autônomo na ocasião seja um professor terceirizado do SENAC. Quando ele inicia sua rede de contatos para montar uma turma ele faz toda uma divulgação de seu trabalho, do local do seu trabalho, de com quem trabalha, etc. O marketing que ele faz é dele exclusivo? Claro que não, há todo um lobby, um marketing, uma divulgação da instituição SENAC. Logo, é possível afirmar que o SENAC, mesmo que o professor não obtenha sucesso em fechar uma turma, lucra com a história. Assim acontecia com o tal escritório, com as meninas que faziam o serviço e comigo. Eu divulgava o escritório e trazia os clientes, as meninas faziam o trabalho e davam a credibilidade ao escritório, e o escritório, bom, ele ficava com a maior parte do dinheiro apenas.

Nunca podemos deixar de ter em mente, que o trabalhador tem que ser remunerado pelo serviço que presta. Os argumentos da minha amiga para dizer que era justo a parte do acordo que me dizia respeito girava em torno, exclusivamente, do argumento, “em todo lugar é assim, isso é a regra do mercado”. Desculpe-me a KT, mas essa opinião não é respeitável, no meu ponto de vista. Eu acredito em justiça e direitos.

Como disse uma vez meu avô, quando um senhor que ele ajudava lhe prestou um serviço (concertou a cerca) e não quis cobrar: “Nada disso, serviço é serviço, faço questão de te pagar”.

Nesse exemplo, fica bem nítida a exploração capitalista, serviço, para esta mentalidade, não é serviço simplesmente, ele tem graduações. Um por estar mais bem polarizado (ser detentor dos meios de produção) na relação adquire vantagem independente de esforço, inteligência ou mérito.

Desviei um pouco o foco, mas o que eu queria afirmar aqui é meu entendimento de que os serviços prestados devem ser remunerados, isso é o mínimo. O caso dos autônomos é claro, você trabalha sem garantia de ter o mínimo. Autônomo é disfarce, você presta serviço PARA ALGUÉM, que lhe dá uma ilusão de liberdade. Vejam que cinismo, o patrão cria um incentivo, quanto mais você trabalhar mais você ganhará, só que por mais que você trabalhe, somente um ganho é garantido, o do patrão, que no mínimo, ganha em exposição da marca.

Vejamos isto concretamente. Digamos que a parceria entre eu, o escritório e as meninas que fariam o serviço de auditoria desse certo. Ao longo de 10 anos funcionasse muito bem, mas por algum motivo todos brigassem e resolvêssemos cessar o negócio. Fato óbvio é de que o escritório teria a maior quantia pecuniária em relação aos demais, mas, outra coisa deve ser levada em conta: o que cada um leva desta relação? Eu e as meninas que fariam a auditoria levaríamos uma experiência (que não poderia ser comprovada) para a vida e para o currículo. E o escritório? Este ficaria com algo valiosíssimo para os capitalistas, algo chamado fundo de comércio (credibilidade, clientela, status, etc).

Retornando o foco para a vigência da relação, alguém poderá vir a me dizer: “que garantia o patrão terá de que a pessoa trabalhou?” “Se todos forem ter um salário fixo mínimo ninguém vai trabalhar”. Ora, criar mecanismos para ter certeza de que o trabalhador fez o labor é fácil e não custa dinheiro. Outras duas coisas, se quanto mais ele trabalhar mais dinheiro ganhará, porque alguém haveria de ficar parado, esqueceram da ambição que a cultura injeta nas pessoas desde que elas nascem? Esqueceram também que a maioria das pessoas é honesta, e isso é comprovado cientificamente, e não faria isso? Mas se quiserem ser cegos, fiquem só com o primeiro argumento, ele basta.

Venho neste post me insurgir contra o trabalho autônomo. Que metas, objetivos e percentuais possam ser dados é perfeito, mas o mínimo sempre tem que estar garantido, não por assistencialismo ou paternalismo (como algumas pessoas que não consigo chamar de outra coisa que não altamente egocêntricas, egoístas e ignorantes), mas por retribuição a um serviço que é prestado sim, mesmo que de forma indireta.






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