que sufoco...

Ufa! Escrevi um artigo sobre o desarmamento em dois dias. Tive uma tremenda dificuldade em fazê-lo em somente 7.500 caracteres. Ficou sucinto, deverei colocar postada em breve a sua versão full, assim que a corrigir. O artigo talvez seja publicado em um jornal jurídico, voltado para estudantes de direito, do Paraná. Se o for, criarei um link para minhas publicações e artigos interessantes e disponibilizarei aqui na interface do blog.

O jornal se chama Ab Initio, o seu site está em construção (quando estiver pronto criarei um link fixo aqui para ele). Achei a idéia maravilhosa, é um incentivo para pesquisa acadêmica. Espero que dê MUITO certo.






INTERNACIONALIZAÇÃO AMAZÔNICA

Eu não confirmei nada. Me mandaram este e-mail e eu achei legal postá-lo. O e-mail vem abaixo, divirtam-se.

Durante debate em uma universidade, nos Estados Unidos, o ex-governador do DF e ministro da Educação CRISTOVAM BUARQUE, foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia.O jovem americano introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro.

Esta foi a resposta do Sr. Cristovam Buarque: "De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade. Se a Amazônia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada,internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação. Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural Amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado. Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris,Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua historia do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro. Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil. Defendo a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de COMER e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Crianças pobres do mundo como um patrimônio da Humanidade. Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa!".





minha ausência...

Ela se deve ao fato de eu es tar escrevendo dois artigos sobre temas já abordados neste blog. Em breve voltarei com novidades aqui.





A SOCIOLOGIA NO E DO DIREITO: DIFERENÇAS E TERCEIRA VIA

Fruto de um trabalho para a cadeira de sociologia, tive de explicar as diferenças entre as duas abordagens da sociologia jurídica, a sociologia do direito e a sociologia no direito, com base no texto dado (Manual de Sociologia Jurídica – Introdução a uma leitura do direito de Ana Lúcia Sabadell, mais precisamente a lição dois, intitulada abordagem sociológica do sistema jurídico). Eis a resposta.

A sociologia do direito opta por fazer uma análise externa do sistema jurídico, seus adeptos a colocam com o ramo da sociologia. Para ela, o direito deve permanecer afastado de outras ciências como forma de manter sua autonomia frente a outras ciências humanas, ou seja, os pesquisadores adeptos desta teoria consideram que a sociologia jurídica não pode ter uma participação ativa dentro do direito.

A sociologia jurídica pode estudar e criticar o direito, mas não pode ser parte integrante desta ciência. A sua tarefa é de ser um observador neutro do sistema jurídico. Os adeptos dessa lógica (positivistas) crêem na imparcialidade do juiz como uma garantia do cidadão e temem que a intervenção de outras ciências abale essa imparcialidade. Para o positivista as indagações sociológicas sobre o direito são muito interessantes, mas não podem intervir na aplicação do mesmo.

A sociologia no direito adota uma perspectiva interna com relação ao sistema jurídico. Os seus adeptos contestam a exclusividade de um método jurídico tradicional, afirmando que a sociologia jurídica deve interferir ativamente na elaboração, no estudo dogmático e inclusive na aplicação do direito. Não há uma ciência jurídica autônoma porque o direito ademais dos métodos tradicionais, também emprega ou deve empregar métodos próprios das ciências sociais. Essa perspectiva rompe com a idéia Kelsiana de que o direito “é a norma e a relação entre as normas”, assim como não coaduna com a idéia de imparcialidade ou neutralidade do jurista.

Na questão tocante a influência na elaboração das leis (ato político e não jurídico) e na doutrina não há grandes discussões. Porém, quando se trata da questão da aplicação das normas, temos uma grande polêmica. O conflito surge quando se sustenta que o juiz e outros profissionais do direito devem fazer interpretações, levando em consideração o ponto de vista sociológico-jurídico.

Entende-se assim que o magistrado sempre faz juízos de valores e nunca aplica alei de modo “puro”, nas suas decisões projeta valores pessoais, exprimindo a sua visão de mundo. Se não existe neutralidade e se o direito é uma forma política, então porque a sociologia na o deveria tentar persuadir o juiz a aplicar um direito mais justo, em sintonia com a realidade e as necessidades sociais? Porque a sociologia jurídica não poderia contribuir na humanização da sociedade?

Elaborada a solução do problema de maneira bem objetiva, na continuidade da leitura do texto, percebi haver um terceiro posicionamento que mescla as duas teorias. De fato, não há como elaborar leis sem uma influência sociológica, se assim não fosse, onde estaria o ideal de justiça e os valores constitucionais de promoção da igualdade social? Penso que sob este aspecto não há polêmica. A doutrina não se vincula às regras e normas, a doutrina, no meu entender, se liga, ou deveria ligar, a um ideal de justiça, buscando saídas legais para promoção da justiça social. Posto isto, penso não haver aqui ponto polêmico, igualmente à questão de elaboração das leis.

Como havia sido salientado quando expus a sociologia no direito, o ponto polêmico reside na aplicação da lei. A aplicação pode originar-se de atos administrativos (por parte dos agentes públicos no exercício de suas funções) ou judiciais (magistrado aplicando a lei ao caso concreto, dirimindo controvérsias entre os particulares, entre estes e a administração pública e entre a própria administração pública).

Quanto aos primeiros não há de se falar de influência sociológica pelas características dos próprios. Os atos administrativos, ao contrário dos atos civis, só podem ser exercidos quando anteriormente previstos (o administrador só faz o que a lei autorizar). Portanto, se a lei traz em si uma “injustiça”, nada poderá fazer o aplicador da lei para saná-la. Porém, há de se fazer uma ressalva. Existem atos administrativos, chamados mais precisamente de “atos políticos”, que se caracterizam por conterem em si uma ilegalidade que visa sanar injustiças eminentes (que decorram da aplicação normal da lei). Sua existência e validade são temas que geram acalorada e enorme discussão, razão pela qual não o abordarei aqui. Fique apenas o registro.

É na aplicação da lei ao caso concreto, feita pelo magistrado, que temos a polêmica mais abrangente (abrangente por atingir diretamente a um maior número de pessoas e por ter efeito de maneira mais imediata do que primeira). Na elaboração das leis e na doutrina nós temos espaço para discussão, para que haja debate sobre o tema, de modo que a sua concretização material (fática) passa sempre por uma análise feita por um grupo considerável de pessoas. A liberdade dada ao magistrado para decidir e o fato de ele, via-de-regra, ser apenas uma pessoa com total poder de decisão, nos leva a um terreno perigoso, pois pode o magistrado confundir a aplicação do direito com as suas opiniões políticas e teóricas, que podem vir a serem “tortas” ou sem fundamento.

Importa ressaltar que isto não afasta a aplicação dos princípios em superioridade às regras, pois muitas vezes as regras vão de encontro aos princípios que deveriam norteá-las. Também não está afastada a aplicação principiológica frente à anomia, pois as lacunas legais devem ser preenchidas para dar vazão à segurança jurídica. Deve isto ser aplicado em casos em que há uma regra em conformidade com todos os princípios (ou aparente conformidade).

Teoricamente a discussão é rica, porém, praticamente, frente ao número e tipos de princípios existentes (aqui não vai uma crítica), não. Dificilmente se verá regras perfeitas, que em pelo menos um caso não atentem contra um princípio, assim como, pelo número e qualidade de princípios existentes no nosso ordenamento e doutrina, fica fácil ao magistrado recorrer a qualquer um deles para prolatar sua decisão.

Para que o tema não fique meramente acadêmico vou dar um exemplo de incidência retirado do texto: “Uma pesquisa sociológica indica que a população considera injusto e inclusive perigoso os condenados reincidentes possam usufruir de livramento condicional, após terem cumprido metade da pena (art. 83 do CP).” Se fossemos aplicar a abordagem da sociologia no direito poderia o magistrado indeferir, com base na pesquisa, o livramento condicional, já pela abordagem positivista (sociologia do direito) e pela abordagem mixta (a qual adoto), não poderá o magistrado se valer da pesquisa para fundamentar sua decisão.






LULA E A CRISE POLÍTICA

Eu prometi, há um tempo atrás, me manifestar sobre a crise política. Farei isso agora. Na época da promessa disse que o faria em partes, e é exatamente o que irei fazer. Hoje centralizarei minha manifestação na figura do presidente Lula.

É preciso frisar, previamente, que toda a montoeira de denúncias, essa verdadeira avalanche de informações, me deixou tonto. É muita informação, muita denúncia para poucas provas. Mas não há de se negar que as evidências são fortíssimas. Tudo isso faz com que seja difícil emitir uma opinião cem por cento segura.

Começo com uma afirmação audaciosa: “Lula seria o garoto propaganda perfeito do capitalismo”. Não que ele esteja desempenhando este papel, mas cairia como uma luva, na minha opinião. Vejamos bem, o capitalismo é um sistema que se baseia na exploração do trabalho e se mantém através do tempo devido às pequenas concessões que faz (embora ele dê por um lado e tire por outro) e devido à cultura alienante que gerou (não é somente isso, mas é a parte que convém analisar neste post). Explico melhor. Toda vez que o capitalismo se vê a beira de um colapso (falta de escoamento da produção devido à falta de poder aquisitivo do trabalhador explorado) ele “cede” a algumas exigências sociais (como um décimo terceiro salário, salário família e afins). Porém, somente isso não seria suficiente, é preciso manter os explorados iludidos, com alguma perspectiva na vida que não seja viver para ser explorado. Então temos hoje que o capitalismo alimenta a idéia nas pessoas que um dia elas poderão ter um nível de vida superior, bastando se esforçarem. Sabemos que isso não passa de uma mera ilusão.

Uma mente ingênua poderia pensar que Lula é o explorado que cresceu na vida devido a seus esforços e seria a prova de que é possível ascender socialmente nesse sistema explorador. Porém ele é a exceção que confirma regra. Então, minha primeira idéia a respeito do nosso presidente é essa: ele seria o garoto propaganda perfeito do sistema que condena (ou condenava?).

O presidente Lula é um homem que cresceu na vida devido a muita luta, claro, mas principalmente devido a ser uma pessoa com uma inteligência superior a média. Não podemos negar, um operário que teve um dos dedos esmagados em uma prensa, que não estudou, saiu do interior do país e deste nada virou uma celebridade mundial, montou um império chamado PT (me chamaram a atenção para usar o termo “grande partido”, mas devido aos últimos acontecimentos não achei errado comparar o PT a um império). Isso é quase que impensável, e o seria se não estivesse diante dos nossos olhos. Falar que o Lula não é uma das pessoas mais inteligentes do país seria negar o óbvio.

Poderia um homem tão inteligente e acostumado com a ação política permitir um mar de corrupção ao seu lado sem notar nada? Poderia este homem ser enganado durante tanto tempo por um esquema tão frágil, mesmo considerando o nível de confiança que ele depositava nos envolvidos? A resposta é nítida, é claro que não. Na minha opinião Lula sabia, sim, tudo que acontecia em seu governo e, como detinha força para impedir e não o fez, só posso concluir que era de seu total consentimento. Sendo assim, não vejo injustiça em se falar de impeachment, porém, as conseqüências de sua saída do governo poderiam ser mais desastrosas que a permanência de Lula no cargo.

Da mesma forma que a ascensão do proletário Lula é quase impensável, é difícil, mas farei um esforço para acreditar que ele de nada sabia. Nesse caso poderíamos dizer que o Lula foi muito eficaz e competente na formulação de um partido político, mas como presidente é uma negação, é de uma incompetência absoluta, e jamais poderia ter chegado a presidência, mas como já deixei claro, não acredito nesta hipótese.

Em seus discursos políticos, Lula sempre enfatizou a geração e as melhorias nas condições de emprego. Esse foi sempre o seu discurso principal. Em segundo plano vinham outras questões sociais tais como saúde, educação, segurança e etc. Eu não concordo com isso, pois anteriormente a qualquer coisa temos que dar um jeito na educação, como sistema educacional e em seu programa educacional. Não adianta dar condições de estudos, através de uma renda maior ao proletário e outras medidas, se a escola de hoje não forma cidadãos capazes de enfrentar a vida e de se posicionarem frente às suas questões, cidadãos quase que incapazes de pensar a vida. Penso que somente por meio de uma mudança cultural é possível mudarmos um sistema (alias gostaria de pesquisar um pouco sobre implantações de sistemas, aceito dicas), discordo dos discursos de Lula, do PT e da grande maioria dos partidos de esquerda brasileiros, que colocam a questão trabalhista a frente de todas as outras (não que em suas bases teóricas seja assim, mas é o que o homem comum entende de seus discursos políticos). Acredito que ser de esquerda não é ser, necessariamente, pró-operário, mas ser contra o sistema dominante (o que é diferente, também, de ser oposição governamental).

Então, ainda dentro da minha modesta opinião, penso que um líder de esquerda, como o Lula, jamais poderia deixar de dar o exemplo. Nosso caro companheiro Lula deveria dar o exemplo (afinal de contas, ele foi dado como esperança nacional e assumiu esse status), deveria ter estudado, já que há muito tempo ele pode. Todavia, transformou o seu analfabetismo de pai e mãe em propaganda, em marketing pessoal. Lembro aqui mais uma vez do capitalismo que é mestre em transformar a desgraça em lucro e se abraçar nela como porto seguro (a desgraça que traz riqueza é boa, logo, carregue-a contigo durante toda tua vida). Aqui depois de uma volta completa voltamos a uma das primeiras afirmações deste post.

Para encerrar falarei da postura do nosso presidente nessa crise. A postura dele é clara, quer se salvar para manter o poder e salvar o partido. O PT é o Lula (em termos é claro). Se a imagem do presidente sair gravemente arranhada disto tudo o reflexo se dará no partido. Então a postura de todos envolvidos é: salvem o Lula. O Lula e todo o PT lutarão bravamente para que ele não saia manchado desta crise, é a forma de salvar o partido. Diferente disto somente se ele assumisse tudo o que fez e permitiu que fizessem, mas isso seria um suicídio político, isso acredito que ele não vá fazer, mas seria louvável.






DIREITO AUTORAL E CULTURAS TRADICIONAIS

Me enviaram este texto da FOLHA DE SÃO PAULO de domingo. Não deixo o link pois não sou assinante da folha e nem do UOL (e pretendo continuar não sendo).

Proposta de estender a propriedade intelectual aos conhecimentos e expressões culturais tradicionais -para defendê-los de "usurpações"- termina por negar as lógicas de apropriação não-ocidentais

A TRADIÇÃO REMIXADA

HERMANO VIANNA
COLUNISTA DA FOLHA

RONALDO LEMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Assim como sistemas de cotas reinventam a idéia e a percepção de raça em sociedades mestiças, há uma discussão na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi) para reinventar o conceito de propriedade intelectual, tornando-o aplicável a conhecimentos e expressões culturais tradicionais. Trata-se da discussão para a elaboração de um tratado internacional para regular globalmente o regime de "propriedade" a ser aplicado sobre os conhecimentos tradicionais.
Essa discussão é vista por uma série de países em desenvolvimento como uma possibilidade de contrabalançar os pesados efeitos uniformizadores impostos pela Organização Mundial do Comércio (OMC) a partir de 1995, com a adoção do chamado Acordo Trips.
Pelo Trips, todos os membros da OMC ficaram obrigados a estabelecer padrões mínimos de proteção à propriedade intelectual, a partir de um modelo único. Países sem qualquer tradição na área, sobretudo na Ásia e na África, viram-se obrigados a adotar repentinamente um sistema com o qual não tinham nenhuma familiaridade anterior.

Quem se apropria de quem? As tradições sobrevivem justamente porque são permanen-temente reinven-tadas. Atribuir a elas o status de "propri-edade" interrompe esse movimento, isola o que está vivo


As preocupações que justificam a realização de um tratado internacional protegendo os conhecimentos tradicionais são louváveis. Elas incluem pelo menos dois aspectos: evitar a concessão de patentes sobre conhecimentos tradicionais para pessoas que não sejam parte das comunidades que os desenvolveram; e evitar a utilização de conhecimentos tradicionais sem o consentimento das comunidades que os originaram e sem o compartilhamento dos benefícios com essas comunidades.
O problema com essas preocupações é que elas têm levado diversos grupos de interesse, tanto em países "desenvolvidos" quanto nos "em desenvolvimento", a convergirem em torno de um sistema de "imitação" da propriedade intelectual tradicional, neste caso, aplicada aos conhecimentos tradicionais.

Imitação
O caso paradigmático que orienta as discussões da Ompi aconteceu com a banda de música eletrônica Deep Forest. Seu álbum de estréia, datado de 92, trazia trechos do canto tradicional chamado "Rorogwela" das Ilhas Salomão. Segundo a tradição, a canção era entoada pelo irmão mais velho de um órfão, pedindo para que a criança menor parasse de chorar, já que os pais haviam morrido e ninguém a ouviria. O trecho foi obtido de gravações feitas pelo etnomusicólogo suíço Hugo Zemp, em projeto da Unesco de 1973, e foi incluído na faixa chamada "Sweet Lullaby" (algo como doce canção de ninar), que se tornou um hit da "ambient music".
O caso gerou uma controvérsia que se arrastou por anos. O Deep Forest foi acusado por Zemp de "usurpação" e "pilhagem" da cultura tradicional das Ilhas Salomão. A resposta da banda foi que, se assim fosse, também [o compositor alemão Johannes] Brahms [1833-1897] deveria ser considerado usurpador, por ter se apropriado de diversas melodias ciganas na sua música.
O caso comove corações e mentes em todo o mundo. O que interessa nele é como denota de maneira precisa a visão que predomina nos principais organismos internacionais quando discutem conhecimentos tradicionais. Trata-se de uma mesma visão: o país rico, em geral ocidentalizado, apropriando-se dos conhecimentos produzidos pela comunidade tradicional, sem pedir autorização ou com ela repartir benefícios. Termos ligados à idéia ocidental de "propriedade" como "usurpação" e "pilhagem" surgem, assim, facilmente na discussão.

Antropofagia
O que importa aqui é notar como esse enfoque é em si uma expressão de unilateralismo, avesso ao pluralismo e à real complexidade existente. Tal visão desconsidera que grande parte das "apropriações" de conhecimentos tradicionais se dá não a partir de países ricos sobre países pobres, mas sim entre duas ou mais comunidades tradicionais ou por parte de comunidades tradicionais sobre países ricos, ação transcultural tão bem elogiada no Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade. Não custa nada lembrar: "Só interessa o que não é meu. Lei do Homem. Lei do antropófago".
A lógica ocidental do artista rico apropriando-se do conhecimento da comunidade pobre e ganhando dinheiro com ela não pode servir de padrão único para a criação de um tratado para a proteção dos conhecimentos tradicionais, destruindo a possibilidade das diversas "antropofagias", remixagens e apropriações que enriquecem a vida cultural planetária. Vejam-se, por exemplo, os inúmeros casos de trocas/"comércios" de tradições entre os povos indígenas brasileiros, documentados por Manuela Carneiro da Cunha e vários outros antropólogos, resultados de processos complexos que tornam vãs todas as tentativas de se estabelecer com precisão o que é de uma "tribo" ou de outra, ou de se estabelecer as fronteiras culturais entre os vários povos e suas identidades. Ou casos ainda mais distantes do enfoque ocidentalizado que predomina nessa discussão, como o da banda Xplastaz, que tem entre seus integrantes cantores e dançarinos da etnia maasai da Tanzânia. A banda "apropriou-se" da tradição do hip hop norte-americano, criando o fenômeno do hip hop maasai (www.xplastaz.com).
Dificilmente alguma associação representando o hip hop norte-americano conceberia a idéia de processar os maasai pela apropriação de sua cultura e práticas tradicionais. Afinal, sua arte de mixar usando toca-discos é indissociável das condições socioculturais forjadas ao longo de anos dada a presença negra nos Estados Unidos.
O problema estaria então na definição do que vêm a ser "conhecimentos tradicionais". E nesse sentido, nenhuma das definições de trabalho adotadas no âmbito da Ompi excluem com clareza o hip hop, ou mesmo a tradição jazzística nos EUA, de sua abrangência. Aliás, a própria definição de conhecimentos tradicionais é possivelmente o tópico mais controverso dentro da Ompi, sendo objeto de infindáveis debates. Nesse sentido, o uso da tradição do jazz feita por Abdullah Ibrahim na África do Sul poderia ser tão grave quanto o uso do canto das Ilhas Salomão feito pelo Deep Forest.
Seria então sócio-econômica a única definição possível para conhecimentos tradicionais? Seria esse um conceito/instrumento forjado para proteger os pobres contra a apropriação feita pelos ricos? O paradoxo é constatar que mesmo que a resposta seja sim, a solução que vem sendo proposta é emular o regime da propriedade intelectual ocidental, forjado em uma Europa novecentista. Regime este que hoje sequer resolve os clamores por acesso ao conhecimento e democratização da informação em todo o mundo. É como se disséssemos que a tradição é importante, mas no fundo, ela só pode ser preservada se tratada como propriedade, como produto, conceitos ocidentais e não-tradicionais...
Entretanto nem toda a discussão sobre conhecimentos tradicionais gira em torno da expansão do regime da propriedade intelectual sobre as culturas tradicionais. Existe um aspecto muito importante, defendido por países como o Brasil e a Índia, que enxerga nos conhecimentos tradicionais uma forma de impedir esse expansionismo. Trata-se da criação de mecanismos para impedir a "apropriação" dos conhecimentos tradicionais, não estendendo sobre eles o regime da propriedade intelectual, mas sim impedindo que qualquer pessoa se arrogue direitos de propriedade sobre eles.
O principal exemplo diz respeito à criação de uma obrigatoriedade de informação da origem nos casos de pedidos de patente que possam envolver conhecimentos tradicionais. Isso obrigaria qualquer pedido de patente a dizer onde obteve os conhecimentos que levaram à configuração do pedido. Se houver conhecimentos tradicionais envolvidos, a patente não pode ser concedida. Da mesma forma, conhecimentos tradicionais podem servir de base para a anulação de patentes já concedidas, uma vez descoberto o fato de que ou a patente neles se baseou ou o conhecimento tradicional já era estabelecido quando do pedido de patente. Esse outro enfoque para os conhecimentos tradicionais, ao contrário do primeiro, funciona como impeditivo da apropriação e não como veículo de expansão da idéia de propriedade.
Uma das grandes expectativas das comunidades tradicionais com a proteção dos seus conhecimentos por um regime que emule a propriedade intelectual tradicional é quanto à obtenção de vantagens econômicas a partir deles. Isso traz pelo menos dois problemas. O primeiro é que tal expectativa cria uma hierarquia entre os diversos tipos de conhecimento. O risco é que aquele tipo de conhecimento que traz vantagens econômicas seja sobrevalorizado ou artificialmente insuflado pela comunidade, em detrimento de outras práticas irrelevantes economicamente. O segundo problema é que a expectativa de remuneração econômica não passa de uma quimera.
A maioria esmagadora das comunidades tradicionais não irá receber qualquer remuneração significativa por seus conhecimentos tradicionais. Na maioria das vezes, a necessidade de consentimento prévio para divulgação irá sim aumentar o isolacionismo e dificultar que as culturas tradicionais tornem-se sequer conhecidas fora de suas comunidades. Afinal, para quem pedir a autorização? Isso tudo caminha na contramão da construção de uma cultura colaborativa global que pode mostrar-se muito mais eficaz em termos de obtenção de vantagens simbólicas e econômicas. Trata-se do fato de se explorar a natureza "livre" dos conhecimentos tradicionais como sua maior riqueza.

Cultura livre
A cidade de Olinda deu início, em agosto deste ano, a um programa que tem por objetivo propor uma nova política de gestão da cultura. A idéia é documentar e tornar publicamente acessíveis, em regime livre, aspectos da cultura tradicional da cidade. Dentre outros, a cidade irá documentar seu patrimônio histórico, suas festas populares, incluindo o carnaval de rua, as artes plásticas da cidade, sua música (como o côco-de-roda) e o teatro popular, licenciando o produto desta documentação por meio de licenças "Creative Commons". Essas licenças concedem o direito a qualquer pessoa em todo o mundo de livremente circular, copiar, distribuir e em alguns casos modificar a obra, sem a necessidade de autorização prévia.
Olinda pretende, assim, ocupar os espaços simbólicos globais com sua cultura. E a ferramenta para tanto é a generosidade intelectual, conceito cada vez mais em voga mesmo em meios empresariais, tanto que foi destaque na revista "Business Week" (que não pode ser de maneira nenhuma ser acusada de anticapitalismo) de julho, que a aponta como a mais empolgante nova força motriz de geração de riquezas. E o objetivo é exatamente esse, conteúdo produzido localmente sendo distribuído, copiado e remixado globalmente.
Outras experiências incluem o projeto de cooperação entre o Brasil e África, patrocinado pela Fundação Ford e desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas, que vislumbra a remixagem de música tradicional brasileira por parte dos sul-africanos e vice-versa.
São esses modelos de gestão, que contribuem para um movimento de integração global efetivamente cultural e simbólico, e não só econômico, que são postos em risco com enfoques como esse que prepondera nas discussões da Ompi.
Se a discussão continuar no rumo em que se encontra, é possível que a cantora cingalesa M.I.A. tenha de pedir licença aos funkeiros cariocas para utilizar o seu know-how, como fez em seu recém-lançado disco. A situação se complica ainda mais quando o DJ Marlboro, que sempre sampleou outras músicas para criar seus pancadões, agora se apropria e remixa o remix feito pela M.I.A., criando algo novo. Quem se apropria de quem? As tradições sobrevivem justamente porque são permanentemente reinventadas. Atribuir a elas o status de "propriedade" interrompe esse movimento, isola o que está vivo.
Hermano Vianna é antropólogo, , autor de "O Mundo Funk Carioca" e "O Mistério do Samba" (ed. Jorge Zahar).
Ronaldo Lemos é mestre em direito pela Universidade Harvard e doutor em direito pela USP. É autor do livro "Direito, Tecnologia e Cultura" (FGV).
Idelber Avelar
http://idelberavelar.com





2º ENCONTRO DO NPIPUCRS

Hoje apresentei um tema no NPIPUCRS (Núcleo de Pesquisa em Propriedade Intelectual da PUCRS). O tema era "Concorrência Parasitária". Em breve deverei deixar o resultado do debate disponível.





MAIS UMA DO DESARMAMENTO

Hoje saiu uma reportagem no site do Terra afirmando que pela primeira vez em 13 anos o número de mortos com armas de fogo caiu (8,2% mais precisamente). Segundo o Ministério da Saúde (órgão que emanou a pesquisa) este fato está intimamente ligado ao Estatuto do Desarmamento. Isso vem ao encontro do que escrevi sobre o desarmamento alguns posts atrás. Relembrando: sou completamente a favor de um desarmamento, mas não é isso que o Estatuto do Desarmamento faz ou veio para fazer.