A SOCIOLOGIA NO E DO DIREITO: DIFERENÇAS E TERCEIRA VIA

Fruto de um trabalho para a cadeira de sociologia, tive de explicar as diferenças entre as duas abordagens da sociologia jurídica, a sociologia do direito e a sociologia no direito, com base no texto dado (Manual de Sociologia Jurídica – Introdução a uma leitura do direito de Ana Lúcia Sabadell, mais precisamente a lição dois, intitulada abordagem sociológica do sistema jurídico). Eis a resposta.

A sociologia do direito opta por fazer uma análise externa do sistema jurídico, seus adeptos a colocam com o ramo da sociologia. Para ela, o direito deve permanecer afastado de outras ciências como forma de manter sua autonomia frente a outras ciências humanas, ou seja, os pesquisadores adeptos desta teoria consideram que a sociologia jurídica não pode ter uma participação ativa dentro do direito.

A sociologia jurídica pode estudar e criticar o direito, mas não pode ser parte integrante desta ciência. A sua tarefa é de ser um observador neutro do sistema jurídico. Os adeptos dessa lógica (positivistas) crêem na imparcialidade do juiz como uma garantia do cidadão e temem que a intervenção de outras ciências abale essa imparcialidade. Para o positivista as indagações sociológicas sobre o direito são muito interessantes, mas não podem intervir na aplicação do mesmo.

A sociologia no direito adota uma perspectiva interna com relação ao sistema jurídico. Os seus adeptos contestam a exclusividade de um método jurídico tradicional, afirmando que a sociologia jurídica deve interferir ativamente na elaboração, no estudo dogmático e inclusive na aplicação do direito. Não há uma ciência jurídica autônoma porque o direito ademais dos métodos tradicionais, também emprega ou deve empregar métodos próprios das ciências sociais. Essa perspectiva rompe com a idéia Kelsiana de que o direito “é a norma e a relação entre as normas”, assim como não coaduna com a idéia de imparcialidade ou neutralidade do jurista.

Na questão tocante a influência na elaboração das leis (ato político e não jurídico) e na doutrina não há grandes discussões. Porém, quando se trata da questão da aplicação das normas, temos uma grande polêmica. O conflito surge quando se sustenta que o juiz e outros profissionais do direito devem fazer interpretações, levando em consideração o ponto de vista sociológico-jurídico.

Entende-se assim que o magistrado sempre faz juízos de valores e nunca aplica alei de modo “puro”, nas suas decisões projeta valores pessoais, exprimindo a sua visão de mundo. Se não existe neutralidade e se o direito é uma forma política, então porque a sociologia na o deveria tentar persuadir o juiz a aplicar um direito mais justo, em sintonia com a realidade e as necessidades sociais? Porque a sociologia jurídica não poderia contribuir na humanização da sociedade?

Elaborada a solução do problema de maneira bem objetiva, na continuidade da leitura do texto, percebi haver um terceiro posicionamento que mescla as duas teorias. De fato, não há como elaborar leis sem uma influência sociológica, se assim não fosse, onde estaria o ideal de justiça e os valores constitucionais de promoção da igualdade social? Penso que sob este aspecto não há polêmica. A doutrina não se vincula às regras e normas, a doutrina, no meu entender, se liga, ou deveria ligar, a um ideal de justiça, buscando saídas legais para promoção da justiça social. Posto isto, penso não haver aqui ponto polêmico, igualmente à questão de elaboração das leis.

Como havia sido salientado quando expus a sociologia no direito, o ponto polêmico reside na aplicação da lei. A aplicação pode originar-se de atos administrativos (por parte dos agentes públicos no exercício de suas funções) ou judiciais (magistrado aplicando a lei ao caso concreto, dirimindo controvérsias entre os particulares, entre estes e a administração pública e entre a própria administração pública).

Quanto aos primeiros não há de se falar de influência sociológica pelas características dos próprios. Os atos administrativos, ao contrário dos atos civis, só podem ser exercidos quando anteriormente previstos (o administrador só faz o que a lei autorizar). Portanto, se a lei traz em si uma “injustiça”, nada poderá fazer o aplicador da lei para saná-la. Porém, há de se fazer uma ressalva. Existem atos administrativos, chamados mais precisamente de “atos políticos”, que se caracterizam por conterem em si uma ilegalidade que visa sanar injustiças eminentes (que decorram da aplicação normal da lei). Sua existência e validade são temas que geram acalorada e enorme discussão, razão pela qual não o abordarei aqui. Fique apenas o registro.

É na aplicação da lei ao caso concreto, feita pelo magistrado, que temos a polêmica mais abrangente (abrangente por atingir diretamente a um maior número de pessoas e por ter efeito de maneira mais imediata do que primeira). Na elaboração das leis e na doutrina nós temos espaço para discussão, para que haja debate sobre o tema, de modo que a sua concretização material (fática) passa sempre por uma análise feita por um grupo considerável de pessoas. A liberdade dada ao magistrado para decidir e o fato de ele, via-de-regra, ser apenas uma pessoa com total poder de decisão, nos leva a um terreno perigoso, pois pode o magistrado confundir a aplicação do direito com as suas opiniões políticas e teóricas, que podem vir a serem “tortas” ou sem fundamento.

Importa ressaltar que isto não afasta a aplicação dos princípios em superioridade às regras, pois muitas vezes as regras vão de encontro aos princípios que deveriam norteá-las. Também não está afastada a aplicação principiológica frente à anomia, pois as lacunas legais devem ser preenchidas para dar vazão à segurança jurídica. Deve isto ser aplicado em casos em que há uma regra em conformidade com todos os princípios (ou aparente conformidade).

Teoricamente a discussão é rica, porém, praticamente, frente ao número e tipos de princípios existentes (aqui não vai uma crítica), não. Dificilmente se verá regras perfeitas, que em pelo menos um caso não atentem contra um princípio, assim como, pelo número e qualidade de princípios existentes no nosso ordenamento e doutrina, fica fácil ao magistrado recorrer a qualquer um deles para prolatar sua decisão.

Para que o tema não fique meramente acadêmico vou dar um exemplo de incidência retirado do texto: “Uma pesquisa sociológica indica que a população considera injusto e inclusive perigoso os condenados reincidentes possam usufruir de livramento condicional, após terem cumprido metade da pena (art. 83 do CP).” Se fossemos aplicar a abordagem da sociologia no direito poderia o magistrado indeferir, com base na pesquisa, o livramento condicional, já pela abordagem positivista (sociologia do direito) e pela abordagem mixta (a qual adoto), não poderá o magistrado se valer da pesquisa para fundamentar sua decisão.






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